Sobre…viver
Num mundo em que
tudo se tornou problemático e complexo, quantos já não deram por si a suspirar
por algo diferente? Quantos não estarão neste momento a ter pensamentos
profundamente dramáticos e quantos não estarão agora no seu local de trabalho,
nas suas casas, num transporte público a conter um grito há muito abafado?
Quantos não sonham em ter, pura e simplesmente, uma vida diferente?
Alguns poderiam
alegar que esta forma de pensar é notoriamente ocidental, pois só quem já
atingiu um determinado patamar social ou económico se pode dar ao luxo de se
dispersar em pensamentos filosóficos.
Não é verdade.
Eu sou uma pessoa como tantas outras, com uma vida igual a tantas outras. Saio
todos os dias para o trabalho como qualquer pessoa comum mas, se é que existe
uma diferença em mim, então ela reside unicamente na vontade de contrariar a
tendência de ser apenas mais um número na estatística da vida e também no facto
de ser uma observadora atenta e curiosa da realidade que me rodeia.
Já me passou a
idade das utopias. É interessante acompanhar a nossa progressão mental e
apercebermo-nos como coisas que nos pareciam tão certas até uma determinada
idade, não passam no fundo de mitos e histórias imbuídas de fantasia.
Mas, se há algo
que não se dissolveu na idade das aventuras foi a capacidade de sonhar e um
enorme desejo de viver.
Quantos de nós
não começam exactamente nesse ponto, a passagem de criança para adulto, a
desistir de acreditar?
Passamos a nossa
infância, quando nos é possível experimentá-la de um modo saudável e normal
obviamente, pois esta minha análise não permite contemplar todas as realidades
paralelas, a sonhar a fantasiar, a vestir e a despir personagens lendárias e a
viver aventuras intermináveis em que nos colocamos normalmente na posição de
heróis e todos os desafios nos parecem superáveis, graças ao enorme poder da
imaginação e tenacidade de ser criança.
Na adolescência
e juventude começam as interrogações e por vezes as revoltas, a contestação ao
meio, mas, em casos patologicamente ditos como normais, os sonhos permanecem e
crescemos convictos de que tudo vai correr bem e a vida vai trazer sempre tudo
aquilo que desejamos, basta acreditar.
Depois chegamos
à idade adulta e o choque é tremendo de tal forma que, quando damos por nós, já
não há sonhos, já não há heróis, apenas farrapos humanos arrastando-se dia após
dia entre contas para pagar, filhos para criar, famílias desestruturadas,
patrões exigentes, esperando apenas que, o dia que aí vem seja um pouco melhor
que aquele que acabou.
Será isto
minimamente saudável ou racional? E de quem é a culpa?
Muitos alegam
que é da sociedade, do ritmo de vida actual, da falta de oportunidades, mas,
não será possível parar com as lamentações direccionadas para tantos alvos e
contrariar essa tendência? No fundo fomos nós que criámos a sociedade tal como
ela é. Talvez possamos eventualmente direccionar a nossa energia noutro sentido
e modificá-la.
Se pensarmos
bem, o que é que o progresso nos trouxe? É certo que se fizeram invenções
extremamente úteis e interessantes que nos vieram facilitar a vida e outras
colori-la também, mas se elas servem tal propósito, porque é que tudo nos é
cada vez mais difícil, mais negro, mais fatalista?
A verdade é que
não conseguimos controlar, por mais evolução que se consiga atingir, esse
monstro irrefreável que corre quase sempre contra nós…o Tempo.
Às vezes dou por
mim a pensar num mundo que já não existe e que agora nos parece tão distante do
alto das nossas construções de betão, dos telemóveis, das nossas ligações USB
wireless, dos IPAD, dos IPOD e tantos outros de que nem consigo recordar o
nome!!!
Era um mundo em que se conversava sobre tudo e
sobre nada, em que as portas se abriam de par em par, sem ter medo dos intrusos
e sobretudo era um mundo em que as emoções afloravam mais livre e sinceras,
menos reprimidas e desonestas.
Nem tudo são
rosas e nem tudo são espinhos, mas a verdade é que até as flores já não cheiram
da mesma maneira. Podemos obter a cor que quisermos, o cheiro que quisermos, a
grandeza que quisermos.
Precisamos de
mimo, carinho e compreensão mas deixámos escapar por entre os dedos o mais belo
da inocência que é a capacidade de ouvir e aceitar tudo sem julgar porque tudo
é belo.
Que mundo é este
em que se perderam os valores mais importantes? Que é isto de ser adulto?
Passamos anos a
ensinar os nossos filhos que o mundo pode ser bonito, a incutir-lhe o gosto
pela aprendizagem, pela aventura, pelo desporto, pela música, entre tantas
outras coisas, para depois lhes lançarmos um balde de água fria de responsabilidades,
deveres e conformismo?
Seremos nós
melhores do que ditadores? Sim, somos todos culpados de virar as costas e
fechar os olhos, de banalizarmos a vida com frases como “tem de ser”, “é mesmo
assim”, “é a vida”.
Tudo se torna
penoso, doloroso, frio, automático.
Como é que
podemos chorar tanto com a morte de alguém mas termos esquecido de lhe alegrar
a vida? Choraremos realmente com a morte dos outros ou estaremos a chorar com
pena de nós próprios pelo tempo perdido e a triste constatação de que todos
vamos terminar ali, frios, inexpressivos, um pedaço de carne já sem alma e
temendo no fundo que todos nos esqueçam, que tudo passe, que nada valha a pena?
Mas, não partirá de facto a alma ainda em vida? Porque deixamos morrer no auge
do tempo o que está vivo? Porque não alimentamos aquilo que realmente deve ser
alimentado?
Quantos rostos
sem luz observamos todos os dias, presos dentro de um corpo que já não é seu,
alheios de outra realidade que não seja a de sobrevivência no mundo onde já não
reconhecemos nada, nada nos parece próximo ou pessoal, tudo nos parece flutuar
em redor, num limbo inalcançável?
O facto é que
todos nós somos culpados do estado em que as coisas se encontram e todos nós
somos directamente responsáveis por um afastamento do calor humano que cada vez
se traduz numa maior e maior solidão.
É certo que
inventámos tantas coisas úteis e brinquedos para nos distrairmos mas, quantos é
que já não deram por si fartos e fartos da rotina?
O mais grave é a
nossa incapacidade e medo de falarmos dos problemas e dúvidas que temos.
Criámos, cada um
individualmente, um escudo protector que nos coloca a uma distância de
segurança de todos os que nos rodeiam.
Quantos não
sentem cada vez mais que tudo lhes é impessoal, que nada dura, que tudo acaba?
Não é fácil
viver de forma verdadeira e íntegra, aliás, parece que da maneira como todos se
movimentam neste mundo, como num jogo de xadrez sempre à espera de uma
oportunidade de exercer xeque-mate sobre alguém, parece que cada vez é mais
difícil.
Mas há que fazer
opções e tentar levar as nossas escolhas a direito, mesmo quando as bombas
rebentam ao nosso lado.
“Às vezes a vida
é mesmo dura”, é uma frase muito frequente e que ouvimos constantemente. Mas
não é bem verdade. A vida está lá à nossa frente à espera de ser percorrida.
Somos nós que por vezes escolhemos sair do trilho e metermo-nos por atalhos e
por vezes muitos dos viajantes que se cruzam no nosso caminho também nos
indicam a direcção errada e trocam as placas deliberadamente para nos baralhar.
É uma aventura.
É um risco. Mas vale a pena em última instância.
Vale a pena se
nos sentirmos realizados e vale a pena sobretudo quando conseguimos criar laços
com os que nos rodeiam. É de facto muito bom dar e receber, é deveras
maravilhoso ver um sorriso nos lábios de alguém que agradamos com um gesto e é
único sentir o poder que um abraço ou um beijo sincero pode ter.
Quem são os
outros para julgar as nossas escolhas? Quem foi que determinou o nosso percurso
sem nos perguntar? Isso é o mesmo que nos comprarem um bilhete para um sítio e
nos obrigarem a embarcar numa viagem sem nos perguntarem se estaremos
interessados em fazê-la!
Não! Não há
viagens obrigatórias, com paragens determinadas.
Há uma viagem
muito pessoal, que nos deve impelir a comprar um bilhete nem que seja para o
sítio mais estranho de todos, se nos apetecer, devemos seguir sem hesitar e
depois se verá quais as surpresas que esse caminho nos reserva.