quarta-feira, 25 de janeiro de 2012


Sobre…viver

Num mundo em que tudo se tornou problemático e complexo, quantos já não deram por si a suspirar por algo diferente? Quantos não estarão neste momento a ter pensamentos profundamente dramáticos e quantos não estarão agora no seu local de trabalho, nas suas casas, num transporte público a conter um grito há muito abafado? Quantos não sonham em ter, pura e simplesmente, uma vida diferente?
Alguns poderiam alegar que esta forma de pensar é notoriamente ocidental, pois só quem já atingiu um determinado patamar social ou económico se pode dar ao luxo de se dispersar em pensamentos filosóficos.
Não é verdade. Eu sou uma pessoa como tantas outras, com uma vida igual a tantas outras. Saio todos os dias para o trabalho como qualquer pessoa comum mas, se é que existe uma diferença em mim, então ela reside unicamente na vontade de contrariar a tendência de ser apenas mais um número na estatística da vida e também no facto de ser uma observadora atenta e curiosa da realidade que me rodeia.
Já me passou a idade das utopias. É interessante acompanhar a nossa progressão mental e apercebermo-nos como coisas que nos pareciam tão certas até uma determinada idade, não passam no fundo de mitos e histórias imbuídas de fantasia.
Mas, se há algo que não se dissolveu na idade das aventuras foi a capacidade de sonhar e um enorme desejo de viver.
Quantos de nós não começam exactamente nesse ponto, a passagem de criança para adulto, a desistir de acreditar?
Passamos a nossa infância, quando nos é possível experimentá-la de um modo saudável e normal obviamente, pois esta minha análise não permite contemplar todas as realidades paralelas, a sonhar a fantasiar, a vestir e a despir personagens lendárias e a viver aventuras intermináveis em que nos colocamos normalmente na posição de heróis e todos os desafios nos parecem superáveis, graças ao enorme poder da imaginação e tenacidade de ser criança.
Na adolescência e juventude começam as interrogações e por vezes as revoltas, a contestação ao meio, mas, em casos patologicamente ditos como normais, os sonhos permanecem e crescemos convictos de que tudo vai correr bem e a vida vai trazer sempre tudo aquilo que desejamos, basta acreditar.
Depois chegamos à idade adulta e o choque é tremendo de tal forma que, quando damos por nós, já não há sonhos, já não há heróis, apenas farrapos humanos arrastando-se dia após dia entre contas para pagar, filhos para criar, famílias desestruturadas, patrões exigentes, esperando apenas que, o dia que aí vem seja um pouco melhor que aquele que acabou.
Será isto minimamente saudável ou racional? E de quem é a culpa?
Muitos alegam que é da sociedade, do ritmo de vida actual, da falta de oportunidades, mas, não será possível parar com as lamentações direccionadas para tantos alvos e contrariar essa tendência? No fundo fomos nós que criámos a sociedade tal como ela é. Talvez possamos eventualmente direccionar a nossa energia noutro sentido e modificá-la.
Se pensarmos bem, o que é que o progresso nos trouxe? É certo que se fizeram invenções extremamente úteis e interessantes que nos vieram facilitar a vida e outras colori-la também, mas se elas servem tal propósito, porque é que tudo nos é cada vez mais difícil, mais negro, mais fatalista?
A verdade é que não conseguimos controlar, por mais evolução que se consiga atingir, esse monstro irrefreável que corre quase sempre contra nós…o Tempo.
Às vezes dou por mim a pensar num mundo que já não existe e que agora nos parece tão distante do alto das nossas construções de betão, dos telemóveis, das nossas ligações USB wireless, dos IPAD, dos IPOD e tantos outros de que nem consigo recordar o nome!!!
 Era um mundo em que se conversava sobre tudo e sobre nada, em que as portas se abriam de par em par, sem ter medo dos intrusos e sobretudo era um mundo em que as emoções afloravam mais livre e sinceras, menos reprimidas e desonestas.
Nem tudo são rosas e nem tudo são espinhos, mas a verdade é que até as flores já não cheiram da mesma maneira. Podemos obter a cor que quisermos, o cheiro que quisermos, a grandeza que quisermos.
Precisamos de mimo, carinho e compreensão mas deixámos escapar por entre os dedos o mais belo da inocência que é a capacidade de ouvir e aceitar tudo sem julgar porque tudo é belo.
Que mundo é este em que se perderam os valores mais importantes? Que é isto de ser adulto?
Passamos anos a ensinar os nossos filhos que o mundo pode ser bonito, a incutir-lhe o gosto pela aprendizagem, pela aventura, pelo desporto, pela música, entre tantas outras coisas, para depois lhes lançarmos um balde de água fria de responsabilidades, deveres e conformismo?
Seremos nós melhores do que ditadores? Sim, somos todos culpados de virar as costas e fechar os olhos, de banalizarmos a vida com frases como “tem de ser”, “é mesmo assim”, “é a vida”.
Tudo se torna penoso, doloroso, frio, automático.
Como é que podemos chorar tanto com a morte de alguém mas termos esquecido de lhe alegrar a vida? Choraremos realmente com a morte dos outros ou estaremos a chorar com pena de nós próprios pelo tempo perdido e a triste constatação de que todos vamos terminar ali, frios, inexpressivos, um pedaço de carne já sem alma e temendo no fundo que todos nos esqueçam, que tudo passe, que nada valha a pena? Mas, não partirá de facto a alma ainda em vida? Porque deixamos morrer no auge do tempo o que está vivo? Porque não alimentamos aquilo que realmente deve ser alimentado?
Quantos rostos sem luz observamos todos os dias, presos dentro de um corpo que já não é seu, alheios de outra realidade que não seja a de sobrevivência no mundo onde já não reconhecemos nada, nada nos parece próximo ou pessoal, tudo nos parece flutuar em redor, num limbo inalcançável?
O facto é que todos nós somos culpados do estado em que as coisas se encontram e todos nós somos directamente responsáveis por um afastamento do calor humano que cada vez se traduz numa maior e maior solidão.
É certo que inventámos tantas coisas úteis e brinquedos para nos distrairmos mas, quantos é que já não deram por si fartos e fartos da rotina?
O mais grave é a nossa incapacidade e medo de falarmos dos problemas e dúvidas que temos.
Criámos, cada um individualmente, um escudo protector que nos coloca a uma distância de segurança de todos os que nos rodeiam.
Quantos não sentem cada vez mais que tudo lhes é impessoal, que nada dura, que tudo acaba?
Não é fácil viver de forma verdadeira e íntegra, aliás, parece que da maneira como todos se movimentam neste mundo, como num jogo de xadrez sempre à espera de uma oportunidade de exercer xeque-mate sobre alguém, parece que cada vez é mais difícil.
Mas há que fazer opções e tentar levar as nossas escolhas a direito, mesmo quando as bombas rebentam ao nosso lado.
“Às vezes a vida é mesmo dura”, é uma frase muito frequente e que ouvimos constantemente. Mas não é bem verdade. A vida está lá à nossa frente à espera de ser percorrida. Somos nós que por vezes escolhemos sair do trilho e metermo-nos por atalhos e por vezes muitos dos viajantes que se cruzam no nosso caminho também nos indicam a direcção errada e trocam as placas deliberadamente para nos baralhar.
É uma aventura. É um risco. Mas vale a pena em última instância.
Vale a pena se nos sentirmos realizados e vale a pena sobretudo quando conseguimos criar laços com os que nos rodeiam. É de facto muito bom dar e receber, é deveras maravilhoso ver um sorriso nos lábios de alguém que agradamos com um gesto e é único sentir o poder que um abraço ou um beijo sincero pode ter.
Quem são os outros para julgar as nossas escolhas? Quem foi que determinou o nosso percurso sem nos perguntar? Isso é o mesmo que nos comprarem um bilhete para um sítio e nos obrigarem a embarcar numa viagem sem nos perguntarem se estaremos interessados em fazê-la!
Não! Não há viagens obrigatórias, com paragens determinadas.

Há uma viagem muito pessoal, que nos deve impelir a comprar um bilhete nem que seja para o sítio mais estranho de todos, se nos apetecer, devemos seguir sem hesitar e depois se verá quais as surpresas que esse caminho nos reserva.

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